domingo, 22 de abril de 2012

O berço das francesinhas

O painel colocado à entrada puxa desde logo pelos galões. ‘Só você e eu sabemos aonde ela nasceu’, pode ler-se no troço pedonal da Rua do Bonjardim, entre a Rua de Sá da Bandeira e a Rua do Dr. Magalhães Lemos, bem perto do Teatro Rivoli e da Avenida dos Aliados.
. A grande arma publicitária da Regaleira é justamente o facto de ser o berço consensual da francesinha: a criação deu-se há precisamente 60 anos, quando Daniel David Silva, um ex-emigrante, pegou na tradição da tosta francesa (ou croque-monsieur), adicionando-lhe molho (talvez inspirado no welsh rarebit) e concebendo uma iguaria que ganhou fama. «Mantemos tudo como então, a francesinha pode vir em pão bijou e tem carne assada no recheio», explica Augusto Marinho – um dos dois sócios do restaurante –, que era em 1952 ajudante de Daniel David Silva.
Ao contrário da maioria das francesinhas actuais, a carne de vaca não entra na Regaleira. A única cedência face aos ‘tempos modernos’ é a possibilidade de ser servida em pão de forma (até as batatas são servidas às rodelas, ao contrário dos tradicionais palitos). Além do lombo de porco, leva salsicha fresca, linguiça, fiambre e queijo; o molho tem uma receita «secreta» e é bastante picante. «Como dizia o velho Daniel quando pediam para ‘carregar’, é um molho ‘à Leixões’», relembra Augusto Marinho, que se tem habituado a ver entrar «espanhóis, ingleses, italianos e até orientais» em busca da tradição. «No outro dia estiveram aí duas chinesas que pediram para partir a francesinha a meio porque não conseguiam comer tudo», exemplifica o proprietário. Mais comum, porém, são aqueles que comem duas e até três francesinhas na mesma refeição.
Aqui vem-se para encher a barriga (as alternativas à francesinha são Tripas, Cozido à Portuguesa, Bacalhau à Zé do Pipo e Vitela assada), pelo que esta não é uma casa de grande glamour: entre a cozinha e a sala de jantar, que conta com dois lavatórios, não há sequer separação. No entanto, já aqui vieram figuras como Mário Soares e José Sócrates, bem como o humorista Herman José. «Talvez tenha sido com ele o episódio mais engraçado. Quando estava a fazer o talk-show no Rivoli, fui ao programa dele e pu-lo a comer uma francesinha em directo, às 11 da noite, cheia de picante», recorda. O nosso painel sublinha igualmente esta característica: «É um molho forte, ‘para homens’», brinca Mário Dorminsky.
A francesinha em pão de forma custa 9,5 euros e em pão bijou menos um euro (todos os extras, como batata e ovo, são pagos à parte). A crise económica tem-se feito sentir, sendo amortecida pelo aumento do número de turistas. Porém, a grande oportunidade dos proprietários se tornarem milionários ficou para trás: «Se tivéssemos registado a patente, agora éramos donos do mundo», graceja Augusto Marinho.
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