sábado, 17 de março de 2012

Wraygunn e a arte de ser rocker

É só rock n' roll, mas nós gostamos porque os Wraygunn continuam a fazê-lo bem. Rock n' roll e territórios mais ou menos próximos, como os do blues ou da soul, parte da receita de "L'Art Brut", o quarto álbum da banda de Coimbra.
Quando Paulo Furtado nos falou do novo disco dos Wraygunn, sublinhou a "reinvenção" do sexteto neste sucessor do já longínquo "Shangri-La" (2007). Mas ouvindo estas doze canções, ficamos satisfeitos por constatar que as mudanças não são assim tantas. Sim, "L'Art Brut" é menos explosivo. Sim, a dança que pode resultar daqui será, provavelmente, menos epilética do que a que esperaríamos (há poucos momentos com o frenesim de "She's a Go-Go Dancer", single do disco anterior). No essencial, contudo, os Wraygunn mantêm-se iguais a si próprios e diferentes do rock que se faz por cá.
A paixão pelo imaginário do interior norte-americano permanece intacta e, sem nos fazer abrir a boca de espanto, transparece em mais um conjunto de canções pessoais mas transmissíveis. A primeira, "Tales of Love", sai-se logo bem a sugerir que o que vamos ouvir é, mais do que esse tal conjunto de canções, um álbum: o formato, como algumas das sonoridades que os Wraygunn praticam, pode estar em desuso na idade do MP3, mas aqui serve bem um alinhamento que, apesar dos contrastes, resulta coeso.
Videoclip de "Don't You Wanna Dance?":



"Tales of Love" sugere-nos também que este é um álbum em que se contam histórias: a de um homem subitamente apanhado pelo amor, logo nessa faixa inicial (situação relatada, em modo spoken word, por Paulo Furtado), ou as de outras personagens de um filme (ou curtas metragens?) que podemos ir imaginando. A trama amorosa é quase sempre a dominante, começando pelos sussurros de "Don't You Wanna Dance?" (o primeiro single e também o primeiro slow à moda Wraygunn do disco), passando pela mais urgente "I Bet It All on You" (talvez o melhor dos momentos efusivos), pelo dilema de "My Secret Love" (em que o drama surge quando a amizade se torna paixão) ou pela grande "Track You Down" (balada de veludo comandada por Raquel Ralha, femme fatale disposta a tudo por algum "foolin' around" com o seu "sweetie").

A destoar deste romantismo agreste, technicolor e poeirento (elogios), só mesmo a declaração de intenções artísticas de "I'm for Real", em que Furtado dispara, qual anti-herói contra um bandido ganancioso, contra quem está na música pelo consolo dos cifrões. Percebemos e respeitamos a ideia, mas preferimos outras confidências do alinhamento. Confidências como a faixa-bónus "Cheree", logo a seguir, cover dos Suicide e sobremesa de um regresso que mostra uma banda a defender a sua arte - não tanto em estado bruto, antes com uma sensibilidade habitualmente apetitosa.

@Gonçalo Sá

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