segunda-feira, 21 de maio de 2012

Mamar ou desmamar, eis a questão

Marcos Borga Não é preciso dizer nada. Basta um olhar para Sandra sentar o filho na mesa da cozinha e,

Mamar ou desmamar, eis a questão

num segundo, ele deixar de ser o rapaz traquina que jogava à bola para voltar a ser bebé, no aconchego do peito da mãe. Tiago tem quase três anos - mas mamará enquanto quiser. Quando Sandra Oliveira, 39 anos, viu a capa da revista Time, com um rapaz da idade do seu empoleirado numa cadeira e agarrado ao peito da mãe, reviu-se naquela imagem (ver caixa). "Às vezes também dou de mamar naquela posição, é muito prática", diz, soltando uma gargalhada. Em Sesimbra, onde vive, nunca sentiu olhares de reprovação por dar mama a um filho "tão crescido". Nem mesmo no colégio do miúdo. "Quando o amamento, os outros meninos e meninas vêm todos ver, ficam muito curiosos. Noutro dia, até me perguntaram se o meu leite tinha chocolate!" O leite materno é bom... mas não tanto. Um facto aceite até pelas lactivistas, defensoras acérrimas do aleitamento natural que têm evangelizado tantas mães, nos últimos anos, defendendo que as crianças devem mamar quanto, onde e até quando quiserem. Quem mais contribuiu para o crescimento deste movimento, tanto nos EUA como na Europa, foi o californiano William Sears, que, há vinte anos, desenvolveu a teoria do attachment parenting, ou a teoria do apego - é ele o pediatra retratado nas páginas da última edição da Time como "o médico que refez a ideia de maternidade". Sears, hoje com 72 anos e uma imensa legião de seguidoras, aconselha as mães a deixarem de trabalhar para se dedicarem aos filhos, a tempo inteiro. Ou a renegarem o uso de carrinhos, optando por transportar os bebés ao colo. Defende também que as crianças não só podem como devem dormir todas as noites na cama dos pais. E, claro, que o aleitamento materno deverá prolongar-se o mais possível. Sandra segue todos os conselhos de Sears, embora tenha começado a colocá-los em prática por intuição. Quando a sua primeira filha nasceu, há 11 anos, seguiu os ditames impostos. "Dei de mamar à Rita até aos oito meses porque a minha obstetra dizia que não fazia sentido continuar. Emocionalmente, foi muito difícil para mim", recorda. Em relação ao Tiago, que beneficia da amamentação prolongada, andou sempre ao seu colo e dorme na cama dos pais, Sandra não sente que Rita seja mais independente. Pelo contrário: "Ele é mais seguro." O pediatra Luís Jácome, 52 anos, lembra que "é preciso ser sensato" e que "até há pouco tempo entendia-se que muitos destes comportamentos seriam péssimos para o desenvolvimento da criança". Com base na sua prática clínica, entende que "o desejável seria que as mães pudessem ficar com os filhos durante o primeiro ano de vida, amamentando "enquanto isso for um bom negócio para a mãe e para a criança". O pediatra e pedopsiquiatra Volker Dieudonné, 49 anos, reforça a ideia, dizendo que "o importante é que se forme um triângulo envolvendo pai, mãe e filho numa dinâmica saudável". Amamentar até muito tarde pode não ser positivo, alerta, lembrando que "o afastamento da mãe, a determinada altura, também faz parte do crescimento". Contudo, "o aleitamento exclusivo nos primeiros seis meses revelou-se muito benéfico", havendo estudos clínicos a indicar que "as crianças alimentadas desta forma apresentam mais recursos cognitivos". Esses seis meses são o período recomendado pela Organização Mundial de Saúde, que aconselha, depois, o aleitamento materno como complemento até aos 2 anos. A MODA DO BIBERÃO A cadeirinha a que o menino trepa na capa da Time para chegar ao peito da mãe está ainda bem viva na memória de muitos portugueses, acredita a enfermeira Adelaide Órfão, 50 anos, consultora da Direção-Geral de Saúde e presidente da Mama Mater - associação pró-aleitamento materno. Nos anos 60, "era usual as crianças irem buscar um banco, pedindo à mãe para mamar", recorda, lamentando o quase abandono da prática, nos anos que se seguiram. Por um lado, muitas mulheres deixaram de ter disponibilidade, entrando, a partir dessa altura, no mercado de trabalho e tornando Portugal no país europeu com a maior taxa de mães trabalhadoras da Europa. Por outro, foi essa a idade de ouro dos leites artificiais. O que era moderno era dar um biberão, não a mama. Os próprios profissionais de saúde começaram a passar a mensagem de que o leite de fórmula era tão bom - se não melhor -, que o leite materno. Hoje, "o retorno ao aleitamento tem sido pautado, sobretudo, pelos riscos conhecidos de alimentar seres humanos com leite artificial", diz Adelaide Órfão. Um estudo publicado na Revista Portuguesa de Medicina Geral refere maiores riscos de gastroenterite, otite, infeção respiratória, asma, doença celíaca, diabetes, leucemias agudas e linfomas. Apesar das evidências, a enfermeira diz sentir que se trava "uma luta constante e desigual contra as leis do mercado". A atriz Adelaide de Sousa, 42 anos, também responsabiliza o "marketing agressivo" da indústria quando olha para trás e vê o que sucedeu às gerações que nasceram no último meio século. "As mães foram manipuladas para pensarem que aquela era a melhor alimentação para os seus filhos", diz, congratulando-se pelo facto de, no seu caso, ter sido amamentada até aos 5 anos. Adelaide seguiu o exemplo familiar e ainda dá mama ao filho Kyle, que fará 3 anos em agosto, doando ainda parte do seu leite a outro bebé, de 4 meses. Já foi fotografada a amamentar, no âmbito de uma campanha de solidariedade, mas evita fazê-lo em locais públicos. Sobretudo quando viaja para os EUA com o marido, Tracy, que tem nacionalidade americana. "Lá a questão é ainda mais controversa. Não tiro a mama ao meu filho mas tento ser discreta, não quero antagonizar."

VISÃO

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